domingo, 4 de julho de 2010

ESCREVA UM SONETO À PESSOA QUE VOCÊ AMA

Desde o seu aparecimento na Itália ou na França, no século 13, não se sabe até hoje qual deles (Petrarca, Gerard de Bonneuil, Giacomo da Lentini) teria inventado esta desafiadora forma de expressão poética chamada soneto, que vem sendo cultivada por grandes e pequenos poetas, e tem-se conservado no gosto e na preferência do público leitor, ao longo de quase 900 anos.


“Um soneto sem defeito vale por um longo poema”, disse o poeta francês Boileau, há quase 300 anos. E não é fácil compor um que seja considerado bom. Um excelente, então, é dificílimo.

O que ocorre com a maioria dos pretendentes a bons sonetistas é terem assunto demais para tão poucos versos, ou versos demais para pouco assunto.

O poeta Belmiro Braga, diante dessa dificuldade, perguntou em um soneto de que forma o grande sonetista Emílio de Meneses escrevia os seus:

Como os fazes, Emílio? Eu te prometo

um mimo como paga ao que pergunto,

pois, quando, às vezes, no arranhol me meto,

(tens sob os olhos as razões que ajunto),

ora o assunto transborda do soneto,

ora sobra soneto e falta assunto...

Menotti del Picchia faz parte do pequeno grupo de poetas que homenagearam essa forma poética de maneira magistral:

Soneto! Mal de ti falem perversos

que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.

Canta, dentro de ti, a ave da graça

na gaiola dos teus quatorze versos.

Quantos sonhos de amor jazem imersos

em ti, que és dor, temor, glória e desgraça?

Foste a expressão sentimental da raça,

de um povo que viveu fazendo versos.

Teu lirismo é a nostálgica tristeza

dessa saudade atávica e fagueira

que no fundo da raça nos verteu

a primeira guitarra portuguesa

gemendo numa praia brasileira

naquela noite em que o Brasil nasceu...

Reconhecendo o desafio de se escrever um bom soneto, Júlio Dantas compôs magnificamente este:

Ó florentino túmulo de prata!

Ó sepultura de quatorze versos!

Demais viveu em ti aprisionada

A asa vibrátil do meu pensamento.

Demais sofri a dura disciplina

Do teu chicote de quatorze pontas,

Soneto arcaico, inquisidor vermelho,

Que Petrarca há seis séculos gerou.

Ó taça antiga de quatorze gomos!

– Taça de ouro de Guido Cavalcante,

Bebi em ti, mas atirei-te no mar.

Não se ouvem mais os címbalos da rima.

Asa liberta, voa em liberdade!

Jaula de bronze, estás aberta enfim!

Coube ao dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega a autoria do mais genial soneto sobre a dificuldade de se escrever um. Violante, a namorada do poeta, pedira-lhe um soneto. Eis como ele respondeu:

Um soneto pediu-me Violante.

(É só nessas encrencas que eu me meto).

Quatorze versos dizem que é soneto:

burlo um pouquinho, e vão-se os quatro. Adiante!

E eu pensei que jamais iria avante,

mas já estou terminando este quarteto.

Ah! Se eu pego o princípio de um terceto,

não haverá mais nada que me espante.

No primeiro terceto vou entrando

e suponho que entrei com o pé direito,

pois neste verso o fim já estou lhe dando.

E cheguei no segundo. Bem... suspeito

que estou os trezes versos terminando.

Contai se são quatorze, e... ei-lo feito!

Jefferson Magno Costa

CARTA A UM POETA NO CÉU

Em 1996, a comunidade evangélica brasileira perdeu o grande poeta, radialista, deputado federal (por dois mandatos) e pastor batista, Gióia Júnior. Estive presente no seu culto fúnebre, e três dias após o seu sepultamento, escrevi esta carta que foi publicada em algumas revistas e jornais evangélicos:


"Caro amigo Gióia Júnior:

Agora que você não está mais entre nós, mas no céu, na região reservada ao descanso dos justos; agora que você usufrui da companhia de todos os grandes poetas de Deus,e com eles espera o grande dia da ressurreição final, só me resta escrever, apressadamente, algumas palavras em homenagem póstuma ao poeta que você foi. Apressadamente, sim, pois sei que em breve também raiará para mim a aurora do Dia Eterno. Aliás, fugaz e velozmente a vida passa para todos nós. Os que acham que terão muito tempo para chorar os seus mortos, brevemente serão chorados também. Muitos partem com os olhos ainda umedecidos das lágrimas que derramavam por alguém que havia partido pouco antes deles.

Nós já vamos pele vale um a um, entoaram aqueles dez cantores reunidos em torno do seu caixão, e sei que você, Gióia, com a imensa sensibilidade de que era dotado, muito se emocionaria se os tivesse ouvido, como eu os ouvi e me emocionei. Mas os seus ouvidos, agora para sempre surdos diante da dimensão de todos os sons terrestres, não mais puderam ouvi-los; nem o seu coração, para sempre paralisado diante de todas as emoções humanas, não mais estremeceu, emocionado.

Você passou, eu passarei, todos nós passaremos, mas a sua poesia ficará. Enquanto o coração de um pai ou de uma mãe bater apreensivo, tarde da noite, diante da demora de um filho ou de uma filha que ainda não voltou para casa, sempre haverá a esperança de que, a qualquer momento, a maçaneta da porta iniciará sua festiva canção do retorno. E todos os pais concordam e continuarão repetindo que:

Não há mais bela música

que o ruído da maçaneta da porta,

quando o meu filho volta para casa.

Volta da rua, da vasta noite,

da madrugada de estranhas vozes,

e o ruído da maçaneta,

e o gemer do trinco,

o bater da porta que novamente se fecha,

o tilintar inconfundível do molho de chaves

são um doce acalanto,

uma suave cantiga de ninar.

Só assim fecho os olhos;

Posso, afinal, dormir e descansar.

(Oração da maçaneta, trecho do poema)

Enquanto houver mulheres preparando a comida para o marido e os filhos, e envelhecendo na frente de fogões, sua poesia será lembrada. E quantas mães já não leram esse trecho do seu poema, achando que você o escreveu inspirado nelas?

Na frente do fogão, enquanto os filhos crescem,

vão sendo modelados pela vida e pelo tempo,

chegam e a beijam na testa,

e ela na frente do fogão,

chegam e dizem um “olá” distante,

e ela na frente do fogão,

chegam e não dizem nada,

e ela na frente do fogão,

porque a chama abraça o fundo da panela

para que o jantar fique pronto,

para que eles matem a fome

e cresçam mais e se afastem dela cada vez mais.

(Mulher na frente do fogão, trecho do poema)

Sua poesia só será esquecida quando Jesus deixar de ser a alegria dos homens. Mas nós sabemos que:

Nesta hora de incerteza,

de cansaço e de agonia;

nesta hora em que, de novo,

a guerra se prenuncia;

neste momento em que o povo

não tem rumo nem tem guia,

ó Jesus, agora e sempre,

Tu és a nossa alegria!

(Jesus, alegria dos homens, trecho do poema)

Quando todos os meninos pobres do mundo receberem o pão que os homens lhe roubaram, sua poesia será esquecida. Porém, no exato momento em que esta carta está sendo escrita, há um menino pobre (aliás, há milhões de meninos pobres) necessitando

ouvir suas palavras de solidariedade e incentivo, Gióia:

Menino pobre do meu bairro, grita

para que escutem tua voz tremente,

amargurada, enfraquecida e aflita.

Pelos irmãos que dantes não gritaram,

clama nas ruas angustiosamente:

exige o pão que os homens te roubaram!

(Menino pobre, trecho do soneto)

O poeta grego Homero cantou na Ilíada a guerra entre gregos e troianos e a interferência dos falidos e extintos deuses do Olimpo. O italiano Dante Alighiere desceu ao Inferno nas asas da imaginação e, de lá, essas suas asas o levaram ao Paraíso; mas tudo não passou de uma Divina Comédia. O poeta português Luis Vaz de Camões cantou em Os Lusíadas as grandes rotas de navegação que interferiram no tracejamento do mapa do mundo moderno, e o poeta inglês John Milton, após mergulhar na cegueira absoluta, ditou para suas filhas o poema O Paraíso Perdido, e nele viu a tremenda rebelião de Satanás. E você, Gióia, preferiu cantar em seus poemas a vida e a situação das pessoas humildes, dos pobres, dos injustiçados que se amontoam na condição de desbrigados, famintos, doentes e esquecidos, abandonados ao pé da pirâmide social.

Agora que você está aí tão perto do coração de Deus; agora que você tornou-se um habitante da santa e felicíssima Jerusalém celestial, onde a juventude nunca envelhece, o amor nuca diminui, o contentamento não se interrompe nem a vida jamais se acaba; agora sabemos, Gióia, que você não mais contempla o rosto ensangüentado de Cristo, aquele Rosto sofredor, de olhar parado e enxuto, que você descreveu com tanta sensibilidade no seu poema Ó Rosto ensanguentado! (Leia todos esses maravilhosos poemas e muitos outros no livro Orações do Cotidiano, publicado pela Mundo Cristão).

E a própria morte, que para muitos é motivo de apreensão e medo, você não a temia. E até nos ensinou a não temê-la! Sim, porque para nós, que conhecemos a Cristo, morrer é finalmente alcançar a altíssima paz; é ser recebido por um cortejo de anjos; é ser saudado pelos clarins celestiais; é receber vestes resplandecentes, harpas e coroas de ouro; é nos tornarmos mais altos e mais belos que as estrelas, e passarmos a encher os espaços infinitos com melodias de gratidão e adoração a Deus.

E, para que todos nós aprendamos a não temer a morte, transcreverei aqui, caro poeta, este seu poema sobre a morte – última porta que se abrirá para nós, antes de embarcarmos e subirmos velozmente conduzidos pelo elevador de fogo de Deus, que nos transportará para a cobertura do Céu, com vistas para o infinito (devo esta belíssima metáfora ao meu amigo e irmão em Cristo Nelson Ned, a quem tive a honra de biografar):

Vem, doce morte, eu sei que não és o mistério

do sem fim, o pavor do escuro cemitério,

não és o vulto mau, a sombra horrenda e esguia

do cutelo fatal e da mão muito fria,

cujo afago cruel, implacável, glacial,

arrebata mães e rouba crianças...

E como és diferente!

És um sussurro manso,

um cântico de paz, um hino de descanso.

És o dia esperado em que os filhos da luz

poderão ver, afinal, o rosto de Jesus.

Leva-me pela mão, ó delicada irmã,

ao jardim multicor da Nova Canaã.

Irei como um menino, alegre, num transporte...

Minh’alma te deseja e diz:

“Vem, doce morte!”.

Até breve, poeta!

Jefferson Magno Costa

E AGORA, DRUMMOND?



Em dezembro de 2009 visitei a cidade mineira de Itabira, onde nasceu Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta brasileiro de todos os tempos. Estive na fazenda onde ele viveu sua infância e adolescência, na casa onde morou no centro da cidade, no colégio onde estudou, no museu e no memorial, onde são preservados alguns de seus objetos pessoais, que enriquecem a múltipla memória do poeta.


Comecei a ler Drummond ainda na minha adolescência. Posso recitar, de memória, muitos de seus poemas. Porém, não ignoro que em 1987, ele partiu para a eternidade afirmando não crer na existência de Deus.

Tendo nascido no início do século passado (1902), o menino Drummond foi aluno de estabelecimentos de ensino dirigidos por padres. Contudo, sua obra revela que esse seu contato com pedagogos e sacerdotes católicos não lhe forneceu respostas para as futuras perguntas que ele faria, e não o aproximou de Deus.

Entre os temas que alicerçam o imenso edifício poético deixado por ele – a vida, o amor, a morte, o homem solitário nas grandes cidades, sua infância em Minas, sua angústia, o eterno adeus a parentes e amigos, sua luta com as palavras, a difícil imposição de existir –, nota-se a quase ausência de assuntos ligados à alma, à vida eterna, a Deus.

Certa vez, durante uma entrevista, Drummond definiu sua posição diante desses assuntos: “Tenho um pensamento tranquilo a respeito das coisas sobrenaturais. Eu sou – parece pretencioso – agnóstico, aquela pessoa que não tem argumento nem para negar Deus nem para crer em sua existência. Não é posição de mineiro, é visão filosófica antiquíssima. Como não consegui achar uma solução para este problema, para que me atazanar com isto?”

Mas esse aparente desdém, esse dar de ombros, essa aparente indiferença com relação a Deus tinha raízes que se lançavam no poço de Mara (de águas existenciais amargosas – Êxodo 15.23), de onde fluiu o tom de resignação e amargura que norteou grande parte dos poemas produzidos por ele em sua maturidade e velhice. Já no seu primeiro livro, publicado em 1930, Drummond, um jovem de 28 anos, revelava como tinha sido sua vida até ali: uma tentativa de mostrar-se superior aos contratempos existenciais. Mas o jovem poeta não pôde esconder o sentimento de orfandade e vazio que havia dentro de sua alma, e acusou Deus de tê-lo abandonado:

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, porque me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco?

(Trecho do Poema de sete faces)

O distanciamento da grande questão que divide a humanidade e define o nosso destino eterno – a crença ou descrença na existência de Deus – foi delineando pouco a pouco o rumo que tomou a poesia de Drummond, uma poesia de resignação e lucidez, de análise terrivelmente amarga, existencialista (o mais legítimo existencialismo a Jean-Paul Sartre) da condição humana. Para Drummond, o homem é um órfão, entregue à sua própria sorte, e terá que viver por imposição ou teimosia:

O amor não nos explica. E nada basta,

nada é de natureza assim tão casta

que não macule ou perca a sua essência

ao contrário furioso da existência.

Nem existir é mais que um exercício

de pesquisar da vida um vago indício,

a provar a nós mesmos que, vivendo,

estamos para doer, estamos doendo.

(O relógio do Rosário, 1951).

Um dos pontos mais altos e expressivos da obra do poeta mineiro é o poema José:

E agora, José?

a festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José,

e agora, você?

Você que é sem nome,

que zomba dos outros,

você que faz versos,

que ama, protesta,

e agora, José?

(trecho do poema José)

“E agora, José?” tornou-se a frase conotativa da situação de desespero e perplexidade existencial em que subitamente mergulham muitos seres humanos, especialmente aqueles que jamais tiveram um encontro pessoal de salvação com Jesus, que disse certa vez: "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt 11.28-30).

Além de ter sido um dos quatro maiores poetas da América Latina (só o nicaraguense Ruben Dario, o chileno Pablo Neruda e o argentino Jorge Luis Borges tiveram envergadura literária tão relevante como a sua), Drummond tornou-se o grande “analista” do ser humano, que dispõe de inúmeros recursos modernos, mas descobre que isto de nada lhe vale quando vem a angústia; quando, mesmo vivendo em uma cidade superpopulosa, a solidão e a tristeza são suas companheiras de todos os dias.

José simboliza o próprio Drummond, ou todos os homens sem Jesus e sem esperança de salvação, materialmente ricos, porém espiritualmente pobres, miseráveis, perdidos nas pequenas e grandes cidades, distantes da companhia paternal e da graça de Deus:

Sozinho no escuro

qual bicho do mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha José,

José, para onde?
(Trecho do poema José, 1942)

ENTRE O POETA E DEUS HAVIA UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO

Após mudar-se de Itabira para o Rio de Janeiro, Carlos Drummond de Andrade cresceu na sua poesia, ampliou seu horizonte temático, universalisou-se, mas procurou manter-se sempre indiferente a Jesus, àquele que seria o Caminho, a Solução, a Porta de salvação para o personagem poético José, e para ele mesmo, Drummond. Entre o poeta e Deus havia uma pedra no meio do caminho:

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

(No meio do caminho, 1942)

Mas não foi Deus quem colocou essa pedra no meio do caminho do poeta. Foi o próprio Drummond. A pedra da indiferença, do orgulho, da autossuficiência. “Sinceramente, sou uma pessoa terrivelmente corajosa, porque não espero nada de coisa nenhuma. Não tenho religião, não tenho partido político. Vivo em paz com meu critério moral. Vivo em paz com a minha consciência”.

Ao fazer essa declaração à imprensa em 1982, quando estava com 80 anos de idade, Drummond revelou que continuava sendo o mesmo poeta que escrevera o poema José em 1942, ou o poema Coisa miserável, em 1934: um poeta amargo, cético e serenamente fiel ao seu ateísmo.

“HÁ NO HOMEM UM VAZIO DO TAMANHO DE DEUS”

Quando Drummond mudou-se para o Rio de Janeiro em 1934, escreveu Coisa miserável, o poema que melhor revela o sentimento de orfandade e abandono existencial em que ele vivia, a nudez de sua alma solitária, amargurada, despida de Deus, desprovida de qualquer esperança na vida eterna:

Coisa miserável,

suspiro de angústia

enchendo o espaço,

vontade de chorar,

coisa miserável,

miserável.

Senhor, piedade de mim,

olhos misericordiosos

pousando nos meus,

braços divinos

cingindo meu peito,

coisa miserável

no pó sem consolo,

consolai-me.

Mas de nada vale

gemer ou chorar,

de nada vale

erguer mãos e olhos

para um céu tão longe,

para um deus tão longe

ou, quem sabe? para um céu vazio.

É melhor sorrir

(sorrir gravemente)

e ficar calado

e ficar fechado

entre duas paredes

sem a mais leve cólera

ou humilhação.

No Poema da necessidade, escrito em 1940, Drummond reconhece:
É preciso crer em Deus.

Mas o poeta resolveu manter-se fiel ao seu posicionamento agnóstico, ao seu triste estado de orfandade espiritual e resignação. Órfão de Deus, em toda a sua amarga e terrível plenitude:

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas a rude trabalho.

E o coração está seco.

(Os ombros suportam o mundo, parte do poema).


O POETA DIANTE DA MORTE

Drummond jamais aceitou o fato de sua filha, Maria Julieta, ter morrido antes dele. Achou que isto fora uma injustiça de Deus. Amava profundamente a filha, e logo após o sepultamento dela, pediu à cardiologista que o tratava que lhe receitasse “um infarte fulminante”. Anos antes, o poeta revelara sua atitude diante da morte:

“Aceito a idéia da morte. Como não tenho religião, não vou pedir a Deus para prolongar a minha vida, para me dar uma morte serena. Aceito a minha sorte. Não adiantaria ficar choramingando “quero viver, quero viver!”. Só quero morrer tanquilo comigo mesmo. Eu me desejo uma boa morte.

E foi em um completo estado de rejeição a Deus que o poeta partiu para a eternidade. Teve Drummond uma boa morte?

Quando o genial romancista russo Fiódor Dostoiévski escreveu a frase "Há no homem um vazio do tamanho de Deus", referiu-se tanto à necessidade que o ser humano tem de crer na existência do seu Criador, quanto às provas que o Criador colocou dentro de Sua criatura, acerca de Sua existência. (Veja o Salmo 139.7-12). Como o deslizar das águas de um imenso rio, o tempo passa levando consigo todas as gerações humanas que vêm e vão, uma após a outra. Porém, imutável sobre o incontável número de seres humanos que desaparecem tragados pela morte, pairam a idéia e a certeza da existência de Deus, brilhando como um sol no céu do Universo, proclamando sempre ao ser humano (quer ele tenha sido Drummond, ou eu, ou você): “Eu sou o Senhor teu Deus...”, Deuteronômio 5.6.

Jefferson Magno Costa